Sá de Miranda Poesias Escolhidas

“A OBRA.- Dá-se com a de Sá de Miranda um dos fenómenos mais interessantes da literatura. O artista tem sido considerado pela maior parte dos críticos, como um poeta áspero e obscuro. A bem dizer, não se tem dado muito pelos dotes poéticos de Sá de Miranda, de quem jocosamente dizia um satírico do século XVII: Poeta até o umbigo, os baixos prosa. Modernamente, outro critico, Fidelino de Figueiredo, achava nos seus versos a dureza e o acidulado dos marmelos que cultivaria na sua quinta minhota, modo gracioso de dizer, que a substancia poética do escritor quinhentista não é por ai além. Entretanto, como a contradizer este juízo da critica, observa-se este facto: a obra poética de Sá de Miranda é uma das mais lidas em Portugal, a avaliar pelo numero das suas edições, desde 1595 até aos nossos dias – ao todo umas dez. Pouco escritores clássicos, exceptuando Camões e Gonzaga, terão tido tal favor do publico. Talvez nenhum.” – prefácio de Rodrigues Lapa

COMIGO ME DESAVIM

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assim crescesse:
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.

Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?